A
INDICAÇÃO DE FACHIN AO STF, A MANIPULAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E O HORROR
Ricardo
Marcelo Fonseca (Professor
da UFPR e Diretor de sua Faculdade de Direito)
Depois que Dilma Rousseff indicou o
jurista Luiz Edson Fachin para ocupar uma vaga no STF, cumprindo (finalmente...)
a prerrogativa constitucional que lhe cabia, algo muito, muito estranho passou
a acontecer. É quase como se tivesse se materializado o cenário do conto de
Machado de Assis, “O Alienista”, em que eu, tal como o Dr. Simão Bacamarte, de
repente tenha começado a ver loucura em todos os cantos. Belisquei-me
(metaforicamente falando) para atestar se, por estar vendo as coisas de modo
tão diferente de vozes de boa parcela da grande imprensa e de opiniões de
políticos tão experientes, não seria eu – tal como aconteceu no conto
machadiano – é que estaria na contramão da razão e do bom senso.
Primeiro vi reportagens e declarações
condenando a indicação de Fachin pelo fato – apresentado como eloquente e
auto-explicativo - dele “ser petista”. Nesse momento lembrei-me da campanha
para a reitoria da UFPR em 2001, da qual participei intensamente, em que Fachin
provavelmente tenha sido derrotado (por diferença de 3% dos votos), dentre
outros motivos, pelo fato do outro candidato (o professor Carlos Moreira Jr.) ter
sido apoiado massiva e eloquentemente por todos os caciques do PT paranaense.
Achei, portanto, estranho. E mesmo depois de ter sido esclarecido que ele nunca
foi filiado a esse partido e que tinha um perfil reconhecidamente
suprapartidário (basta dizer que os senadores paranaenses Álvaro Dias, Roberto
Requião e Gleisi Hoffman – diferentes como água, azeite e vinho – têm uma raro
consenso no apoio irrestrito a Fachin), aquelas vozes de políticos e da grande
imprensa não cessaram. Achei mais estranho ainda.
As coisas prosseguiam na mesma toada: vi
políticos (e as mesmas vozes da grande imprensa) altamente melindrados com o
fato de que foi descoberto um vídeo em que Fachin declara voto em Dilma
Rousseff no segundo turno da eleição do ano de 2010. Vi um parlamentar, por
exemplo, afirmando para câmaras de TV que tudo isso é inadmissível, pois um
ministro do STF deve ser “neutro” e “imparcial”. Lembrei-me das lições do
início da Faculdade que diziam que a crença na neutralidade axiológica fazia
parte da epistemologia do século XIX e dei-lhe um desconto, pois, ao que
parece, o político não era da área. Mas a mesma toada continuava, reverberada
inclusive por algumas manifestações histéricas em redes sociais. Refleti que em
2010 Fachin não era ministro do STF (não era sequer magistrado!), mas somente
um cidadão que, como outros quase 56 milhões de brasileiros – a maioria
vencedora naquela eleição – exercitou seu direito cívico de votar e escolher um
candidato (aqui, como sabemos, o voto é obrigatório) numa direção, e não em
outra. Lembrei-me também que tanto FHC quanto Lula haviam nomeado como
ministros do STF o seu próprio advogado-geral da União (vale dizer, o seu
defensor jurídico mais próximo e leal) e que, quando isso aconteceu, ninguém
levantou a poeira como está acontecendo agora. Percebi então que alguns
políticos brasileiros (e algumas vozes da grande imprensa) estavam considerando
a nomeação de um jurista ao STF como um verdadeiro FLA x FLU, como um Atletiba,
com todas as paixões e irracionalidades que lhe são próprias. Ninguém estava
interessado no fato de que as credenciais como jurista de Fachin eram as
melhores possíveis (pois não vi um jurista brasileiro sério descredenciar o seu
“notório saber jurídico”, que é objetivamente o requisito constitucional a ser
perquirido, junto com a “reputação ilibada”). Só vi destilar de bílis, ódios e
ressentimentos. As coisas definitivamente estavam estranhas demais...
Depois as coisas pioraram: vi blogueiro
de grande veículo de imprensa “pinçando” trecho de um livro de Fachin para,
após vaticinar que o conteúdo era para ele incompreensível, elaborar uma denúncia
“atterradora” – como se isso pudesse ser o golpe fatal contra a indicação de
alguém para a Corte Suprema: o jurista indicado por Dilma usava um suposto “palavrório”
hermético. Estranho demais. Fui ao texto de Fachin. Apesar de “pinçado” e
descontextualizado, li e entendi o que ele havia escrito (no trecho transcrito
pelo blogueiro); era de fato um texto denso, mas perfeitamente compreensível.
Achei inusual um jornalista se expor daquela maneira para confessar a própria
ignorância (ignorância jurídica, ou do próprio vernáculo). Belisquei-me
(metaforicamente falando) mais uma vez.
Finalmente, as coisas entraram numa
toada para além da imaginação: um dos maiores portais de notícias da internet
do nosso país, que aliás pertence a um dos grandes jornais brasileiros, faz
duas reportagens com tons “bombásticos”: primeiro, um texto “denuncia” que uma
associação científica (que estatutariamente não tinha fins lucrativos), da qual
o professor Fachin faz parte, recebeu trinta dinheiros de alguma empresa
estatal para realizar um congresso científico. Pensei nesse momento em como a
maioria de meus colegas que são organizadores culturais e que receberam algum
dia uma forma de patrocínio público (e foi a maioria deles...), a julgar pelo
estreito critério da reportagem que li, deveriam ser imediatamente colocados
publicamente no INDEX dos personagens suspeitos de compactuar com o governo
vigente. Depois (na data de hoje) vejo o mesmo portal acusando – como se
tivesse encontrado o ovo de Colombo – que Fachin “atuou no tribunal em que
mulher é juíza”. O tom do texto, claro, destila suspeitas e indica a existência
de presumíveis (mas nunca demonstradas) “mutretas”. Na leitura desse texto o
que sobressai é o espalhafatoso “levantamento do número de processos”
patrocinados por Fachin (“57 processos abertos desde 2013”...), a espúria e
eticamente desprezível identificação de seus clientes (!) perante o Tribunal e também
a “decisiva” referência de que “até Joaquim Barbosa” achava esse procedimento
estranho (embora ele mesmo nada tenha levado adiante enquanto esteve na
presidência do CNJ). Mas esfumaçam-se os fatos – comezinhos, porém eloquentes –
que efetivamente são mais importantes: de que sua esposa/desembargadora
obviamente declara-se impedida para atuar nos processos do escritório de seu
cônjuge; de que o Tribunal de Justiça do Paraná hoje conta 120 desembargadores;
o de que, afinal, nada há de errado ou de ilícito nisso tudo (até que algo
efetivo e concreto seja apurado), que é algo que acontece em todo lado e em
todos os cantos, inclusive em Brasília. Na ausência de qualquer fato concreto
que revele um efetivo tráfico de influências, a reportagem aponta improváveis
suspeitas, vende fumaça e – aí o pior – busca artificialmente atacar uma
reputação íntegra. Nesse momento percebo que não preciso mais me beliscar e que
a irracionalidade iracunda está efetivamente campeando sem freios.
Mas, ao perceber que não fui eu que
perdi a razão e que, felizmente, não sou como o dr. Simão Bacamarte de nosso
Machado de Assis, não me vem uma sensação de alívio, mas sim de grande
inquietude e preocupação: pergunto-me sobre o que posso esperar de um país que
tem políticos que solenemente esquecem de sua função constitucional e discutem
a composição da Corte Suprema da República como se estivessem numa torcida
organizada – irracional e agressiva – no meio da arquibancada de um estádio do
Brasil profundo. Ou, ainda pior, pergunto-me o que será de um país em que
setores da grande imprensa de circulação nacional e, teoricamente, de uma importante
instância conformadora da opinião pública, resolve vestir a camiseta justa e
suada do time da várzea e, como se cantasse músicas chulas da geral do estádio,
coloca-se a serviço da desinformação e do ataque a reputações inatacáveis. É o
horror, o horror.
Quem tem medo de Fachin?
ResponderExcluirConheço Luiz Edson Fachin há mais de três décadas. Nesse (longo) tempo acompanhei, mesmo que a distância, a construção da brilhante carreira desse profissional, muito referenciada por amplos setores. Conquistou consensos ideologicamente plurais, no Brasil e no exterior.
Estranhamente, após sua indicação para o STF, passou a ser denegrido, que eu saiba pela primeira vez na vida.
O que faz com que "humanos" assim procedam?
Seria o "ódio", nos tempos atuais, um negócio?
Quem tem o "ódio" com alma dos seus negócios teria receio de profissionais com a história de vida como a do Professor Luiz Edson Fachin?
Estariamos vivendo na atualidade a sociedade do horror, na liberdade de expressão sem responsabilidade?
Parabéns professor Ricardo Marcelo Fonseca pela reflexão.
Que o mundo atual dos humanos consiga, ainda, se expressar com e pela justiça, em momentos como esse, da indicação desse grande jurista, Luiz Edson Fachin!
Parabéns pelo texto, Ricardo! Disse tudo.
ResponderExcluirTexto de lavar a alma. Obrigado Prof. Ricardo!
ResponderExcluirDilma está fora da realidade, faz tempo. Ela pensa que os brasileiros são seus serviçais... Tontos e sem opinião. Mas NÃO SOMOS BOBOS!!!
ResponderExcluirDilma os Ptistas bem como os Comunas de plantão devem saber que estamos de olho...
ResponderExcluirDilma, Lula, e sua corja, comuna, são parte do que pior tinha o Brasil. Serão defenestrados para sempre, do cenário nacional, mas a História os julgará, o tempo é o senhor de tudo.
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